Ritmos biológicos e do movimento

 Ritmos da natureza

Sabes porque é que as aves só cantam em coro de madrugada?
Sabes porque é que os carangueijos conseguem esconder-se antes da baixa-mar os expor ao ar?
Sabes porque é que os cucos chegam sempre ao Norte em Abril?
Estas e inúmeras outras questões são exemplo da forma como a natureza acompanha a par e passo o calendário terrestre dos dias, marés e estações. A condição astronómica de se viver num planeta rotativo, que, com a Lua, gira em torno duma estrela - o Sol -,situa todos os organismos terrestres num meio cuja estrutura temporal se compõe destes três ritmos inevitáveis.

Noite e dia, maré alta e baixa, Verão e Inverno implicam diferenças espectaculares na quantidade de luz solar, humidade, temperatura e muitos outros elementos ambientais a que o ser fica exposto. São, porém, poucas as espécies adaptadas de modo a resistir aos extremos resultantes destes ritmos. Este problema é talvez mais evidente nos animais sujeitos às marés, cujo ambiente varia de 6 em 6 horas, aproximadamente, de inteiramente aquático para terrestre, mas os ritmos dos dias e estações podem ser igualmente dramáticos. 

Os animais são activos de dia ou de noite, mas geralmente só num destes períodos, porque ser diurno e nocturno ao mesmo tempo implica exigências fisiológicas contrárias, por exemplo, a capacidade de ver bem de noite e de dia. Enquanto alguns, como os gatos e as raposas, vêem e caçam bem de dia e de noite, a estrutura ocular dum animal nocturno é realmente diferente da dum animal diurno. O mesmo se passa com as estações. Aparentemente de forma quase perversa, galantos e crocos desabrocham em pleno Inverno. Com isso evitam, porém, a competição directa das plantas anuais de crescimento mais rápido, mas sensíveis ao frio, que as asfixiam no Verão.

As vantagens da adaptação aos ritmos da natureza parecem lógicas e razoavelmente fáceis de entender. Mas como surgiram e porquê, já que a vida primitiva não necessitava certamente de tanta sofisticação? A resposta a esta questão pode bem residir na composição da atmosfera primitiva da Terra. Há 4 ou 5 mil milhões de anos, quando a vida lutava por se congregar a partir dos ingredientes do caldo primevo, a Terra não estava como hoje protegida da radiação ultravioleta, altamente destrutiva, do Sol por uma camada atmosférica superior de ozono. 

Assim, o ambiente flutuava violentamente entre a radiação abrasadora do dia e a escuridão gélida da noite, e parece provável que a vida primitiva não teria resistido durante muito tempo se não tivesse desenvolvido uma capacidade de registar o tempo que restringisse os seus processos mais sensíveis à radiação às horas nocturnas. Finalmente, essa capacidade integrou-se na informação genética das plantas e animais primitivos, de modo que teve não só grandes implicações na sua vida como também foi transmitida a inúmeras gerações que se seguiram.

A enorme variedade de tipos de ritmos biológicos pode dividir-se em duas categorias distintas. Por um lado, todas as funções biológicas que, especialmente nos animais, se efectuam simplesmente por oscilação - pulsação cardíaca, respiração, transmissão de impulsos nervosos, etc. Estes ritmos não estão relacionados com o tempo exterior em qualquer aspecto importante, de modo que a pulsação e a respiração variam principalmente em função das exigências de oxigénio dos tecidos do corpo. Bastante diferentes são os ritmos pelos quais animais e plantas se adaptam vitalmente às três periodicidades básicas do seu ambiente - diária, de maré, lunar e anual. Estes três ritmos respeitam específica e exclusivamente ao tempo ambiental.

Ritmos de Locomoção (de movimento)

O movimento é um imperativo do animal. Ao contrário das plantas, que se mantêm imóveis, a maior parte dos animais consegue movimentar-se no ar, na água ou no solo para procurar comida ou companheiro. Sendo a locomoção um atributo básico do animal, não nos surpreende que apareça em padrões tão variados. do mesmo modo, como os animais são minúsculos em relação ao espaço em que vivem, a sua locomoção exige uma repetição de pequenos actos cíclicos em que cada um os transporta a pequenas distâncias. É a contínua repetição destes actos que dá à locomoção o seu carácter essencialmente rítmico.

Entre os ritmos da vida, os da locomoção animal são dos mais claros e evidentes. Os ritmos do movimento ocorrem rapidamente - por vezes a velocidades centenas de vezes maiores que as que o olho humano pode seguir - e são geralmente estética e intrinsecamente harmoniosos. Que haverá de mais harmonioso que o lento bater de asas dum cisne majestoso ou os saltos dum cardume de toninhas conduzindo um barco para o porto? Alguns ritmos de locomoção compreendem-se melhor do que os outros e podem explicar-se em terminologia da Física, embora representem alguns dos mais belos exemplos de adaptação funcional dos animais.

Ao longo de milhões de anos de evolução, o ritmo da locomoção foi moldado pelos padrões do desenvolvimento físico e necessidades de cada espécie. O poder da evolução também tornou os ritmos da locomoção extremamente económicos. Cada ciclo propulsivo é o mais eficiente possível e muitas vezes origina o seguinte, imbricando-se nele, de forma que a inércia do movimento corporal é aproveitada ao máximo. Os contrapesos têm um grande papel na maximização da eficiência. Assim, as patas e asas e às vezes a cauda ou até mesmo o pescoço do animal movem-se de modo particular para ajudar o seu equilíbrio ou para o fazer avançar, mantendo o centro de gravidade entre a base constituída pelos membros. Alguns ritmos aparentemente desajeitados - por exemplo, o balançar do camelo - são altamente eficientes na utilização de energia e adaptam-se perfeitamente à estrutura corporal do animal e ao seu ambiente.

Enquanto alguns animais usam o mesmo padrão de locomoção qualquer que seja a velocidade, outros alteram o passo consoante a velocidade com que se deslocam. Assim, a corrida do ser humano difere pouco do andar: o pé esquerdo segue sempre o direito e os braços balançam-se para dar equilíbrio. Pelo contrário, a simetria de movimento do passo do cavalo altera-se quando galopa. Comparando com muitos mamíferos, o ser humano tem uma forma de locomoção pouco especializada e a execução apresentada é medíocre. Mesmo assim, pode correr ou andar vários quilómetros, entrando simplesmente numa cadência e mantendo um ritmo constante. Os melhores corredores dizem que na competição o ritmo é essencial e que qualquer quebra deste, por exemplo, por pontada ou por cãimbra, pode ser desastrosa.

O ser humano consegue correr, mas certamente não pode voar. Apesar das suas máquinas voadoras se basearem na actividade mecânica rítmica dos motores, não mimetizam os padrões de voo das aves, sendo menos eficientes. Do mesmo modo, os barcos são fracos executores quando comparados com os equivalentes animais. Na transformação do ritmo do motor num ritmo rotativo do movimento aéreo ou aquático,perde-se muita energia, produzindo as formas das máquinas demasiado atrito. Quando mais compreendemos os desenhos das máquinas, tanto mais nos maravilhamos com a natureza, que tão elegantemente solucionou estes problemas há muitos milhões de anos.

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