Avós: pais duas vezes
Longe vão os tempos das famílias alargadas, (em que as sucessivas gerações coexistiam, partilhando o quotidiano e assumindo em conjunto a tarefa de cuidar e educaras crianças. As famílias hoje são mais pequenas, muitas delas monoparentais. Os avós, esses, também mudaram. Mantêm até mais tarde uma vida activa, mesmo quando já se retiraram da vida profissional. Assim é particularmente nos meios urbanos. Longe vão também os tempos em que os avós eram aqueles velhinhos amorosos que, pacientemente, contavam histórias aos netos. Hoje os avós são solicitados para outras tarefas, comprometendo-se de forma bem diferente com a vida dos netos. Por imposição da evolução social.
As mentalidades abriram-se e as mulheres emanciparam-se, integrando-se no mercado de trabalho. E os avós desempenham, cada vez mais, o papel de cuidadores, preenchendo os tempos e as tarefas de que os pais estão ausentes. Contudo, não há mudança que interfira com a mais-valia dos avós.
Entre eles e os netos geram-se laços fortes que beneficiam ambas as gerações. Para os mais velhos, os netos representam o triunfo da vida, são símbolo do prolongamento da sua própria vida. E é este sentimento que alimenta o amor incondicional que sentem pelos netos e que, aliás, caracteriza esta relação tão especial. Este amor traduz-se numa atitude de pura sedução que torna os avós tão atractivos para as crianças. Ocupam um lugar único, que nenhum outro membro da família consegue disputar. É um lugar que reflecte a disponibilidade de estar e de escutar, de partilhar histórias e brincadeiras.
Os avós desempenham ainda um papel essencial na descoberta da diferença. Desde logo a diferença de idades. E se viverem bem com a idade que têm, transmitem uma ideia positiva do envelhecimento, ajudando os mais pequenos a respeitar os idosos.
Os avós funcionam como uma ponte com o passado, integrando a história das diferentes gerações. Uma ponte também entre pais e filhos, transposta com o revelar de episódios de quando os pais eram crianças. Conhecer estas histórias torna as crianças mais próximas dos pais, mostra-lhes um lado desconhecido daqueles que, no dia-a-dia, exercem o difícil papel da autoridade.
Este é, aliás, um exercício que os próprios pais podem praticar, na certeza de que criarão momentos de grande intimidade com os filhos. Esta parti lha do passado ajuda a perceber que existe um lugar para todos na pirâmide genealógica.
Para as crianças, os avós são fonte de carinho inesgotável. São eles que proporcionam todos os extras que não chegam dos pais, apanhados quase sempre no furacão dos afazeres profissionais que pouco tempo deixam para ouvir os mais pequenos. E eles precisam de ser ouvidos. Porque o crescimento implica dúvidas, angústias e receios, pequenos conflitos internos e externos que, apesar de naturais, são perturbadores. Captar os sinais pode ser difícil, mas a disponibilidade dos avós - se forem próximos - é uma garantia de atenção e conforto.
Com os avós, não se geram os conflitos que opõem pais e filhos. Raramente os avós são disciplinadores, raramente são eles a impor limites e barreiras, raramente são eles a pedir contas de atitudes e comportamentos. Esse é o papel dos pais e são os pais a ser desafiados pelos filhos, sobretudo na conturbada idade da adolescência. É certo que nesta idade os avós vão perdendo interesse, notando-se algum distanciamento. Mas, com frequência, continuam a ser o refúgio para onde os adolescentes escapam quando a tensão em casa aumenta. Ali sabem que encontram sempre mimo.
Conflito de papéis
O papel dos avós é imprescindível, mas não é fácil. Sobretudo numa época, como a actual, em que os pais dependem deles para muitas tarefas do quotidiano - ir buscar os filhos à escola, ficar com eles quando têm de trabalhar até mais tarde, ocupar-se deles nas férias quando os colégios fecham ... Os avós actuais ainda têm muitas responsabilidades que vão para além do afecto. Confundem-se com as responsabilidades da parentalidade e este é um terreno fértil para conflitos.
Há que ter em conta que os avós nunca deixam de ser pais: para eles, os filhos são sempre crianças mesmo quando já são adultos e têm os seus próprios filhos. Há uma certa dificuldade em perceber que o centro da autoridade mudou e, em paralelo, a tentação de manter essa mesma autoridade. É natural que os avós se sintam confusos quanto ao que deles se espera. E que resistam a dar um passo atrás e deixar os filhos tomar as decisões, para eles próprios e para as suas crianças.
Mas a verdade é que, apesar do envolvimento na vida dos netos, os avós não são os educadores. E precisam de respeitar os seus filhos nesse novo papel. Não interferindo, mesmo quando não concordam, e sobretudo não os desautorizando. O que implica uma grande maturidade e flexibilidade de ambas as partes. Também dos filhos. Para saberem ouvir a experiência e compreender o dilema dos pais. É claro que as crianças percebem que há um conflito entre as duas gerações que lhes estão acima. E tiram o máximo partido. Inconscientemente, até o estimulam. Por exemplo, quando reagem a um "não" dos pais com um "mas a avó deixa ... " ou "mas o avô não faz assim ... ". O que as crianças têm de aprender é que pais e avós cumprem papéis diferentes, complementares. E que os espaços que partilham com uns e outros têm regras específicas que não podem ser transferidas.
A casa dos avós pode até ser um espaço onde possam violar algumas das regras dos pais, mas elas têm de voltar a ser respeitadas na casa de família. E cabe aos adultos passar esta mensagem, para que as crianças percebam os limites e os aceitem. O importante é que avós e netos possam conviver. Todos ficam a ganhar com a partilha de afectos e vivências. Sobretudo agora, no tempo em que, graças ao aumento da esperança de vida, temos uma geração de netos com o privilégio de conhecer os quatro avós.
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